Há dias um amigo meu contou-me que foi apanhado em excesso de velocidade numa auto-estrada e que agora, passados muitos meses, recebeu a notificação da apreensão de carta durante um mês. Trabalha fora de Lisboa e o caminho de casa para o emprego passa por todos os tormentos do trânsito matinal, razão pela qual sai de madrugada e regressa sempre muito tarde, numa rotina instalada que lhe consome as semanas, os meses e os anos dentro do automóvel ou no escritório, num círculo fechado em que já não distinguia o que é que determinava o quê, se o trabalho intenso se o trânsito infernal para conduzir o automóvel de uma ponta da cidade para os arredores.
Neste contexto, ficar sem carta durante um mês parecia uma catástrofe difícil de rodear, um verdadeiro castigo, em suma, ao qual ele decidiu reagir sem programar nada e esperando que cada dia trouxesse a sua solução. Pareceu-me aquilo uma temeridade mas fiquei à espera da sequência.
Pois bem, já passada mais de metade da punição, falou-me entusiasmado de uma “experiência transformadora” que está a viver com um interesse que cresce à medida que desaparece a ansiedade. Descobriu que tem comboio a dez minutos a pé da porta de casa, que o metro tem estação logo à saída do comboio e que vários colegas se disponibilizaram para o apanhar à saída do metro e o levar para o emprego, evitando-lhe o recurso à camioneta de carreira. Em consequência, passou a sair de casa apenas atento ao horário do comboio, leva um livro para ler enquanto espera tranquilamente a chegada ao destino, entra no metro a tempo e horas e vai depois a conversar com a “boleia”, que varia em função dos compromissos de uns e de outros mas que nunca faltou, mostrando-lhe uma generosa provisão de pessoas dispostas a ajudá-lo nesta dificuldade. Além disso, e porque a maioria dos colegas não tem o hábito de ficar a fazer serão no trabalho, passou a conseguir sair a horas decentes, supreendendo a família que já não contava com ele a horas de jantar.
Como balanço geral, pasmo a ouvi-lo referir que o automóvel é uma “gaiola de metal”, que o surpreende a vida da multidão que se desloca nos transportes públicas, gosta de observar as pessoas, o ar atarefado da manhã para picar o ponto, a expressão cansada e cinzenta ao fim do dia, os sinais exteriores de pobreza, as mães com os filhos pela mão, tantas realidades ao mesmo tempo que passam paralelas às filas do trânsito, às notícias na rádio, à tirania do carro que fica parado horas e horas até que o levem depois de volta à garagem. Há quantos anos vive alheado da realidade dos outros, encerrado ora no carro, ora no escritório, ora no computador, não basta ver televisão, o que ele quer dizer é que agora entra nessa vida e sente-se um deles, numa identidade que o faz sentir como se um mundo novo se desvendasse. Incrível, a intensidade da vida fora da fita de esfalto que passa à volta da cidade!
Contou-me animado o livro que está a ler e que leva debaixo do braço, em vez da pasta que carregava diariamente na mala do carro e que concluiu que era um estorvo inútil porque afinal não chegava a abri-la na maior parte dos dias. Falou-me de como os colegas se preocupam em combinar as idas e vindas com ele, como se revezam de modo a não o deixar sem boleia e, em suma, confirmou que há gente generosa em todo o lado e que é uma pessoa de sorte por poder comprová-lo.
Há males que vêm por bem, quem havia de dizer que uma sanção havia de se revelar uma experiência transformadora tão positiva? É uma questão de atitude, o segredo está em não deixar que a contrariedade se transforme em sofrimento, às vezes não é tão difícil como parece...
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Texto Interessante e revelador de uma atitude, essa mesma causada por uma infração.
Deixe-me dizer-lhe o seguinte:
O Metro passa no limite de Leça da Palmeira imediações do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, O Metro encontra-se em Matosinhos a sul da minha freguesia, acutalmente em Leça da Palmeira existem + - 25.000residentes.
O Porto de Leixões com entrada e saída de mercadorias, as praias de Leça da Palmeira bastante frequentadas pelos nossos banhistas e turistas que ali passam, a Exponor um polo importante na nossa Cidade, a Petrogal etc.etc. e uma ponte a separar-nos da realidade do útil.
Não haverá ninguém capaz de incutir nos nossos politicos a ideia de que o metro é uma mais valia para a minha freguesia?
Com as verbas que se vão disponibilizar para o seu "enterramento" não acham que faria todo o sentido a fase de implementação do metro nesta freguesia?
A lógica mais rigorosa não passa de um inventário das ligações que fazem uma maneira de dizer depender de uma outra...
Saudações Marítimas
José Modesto
Enviar um comentário